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(Cahindo a vossos pés povo sem lei)
Nos peitos que inimigos são do Rei.

Quando vossas bandeiras despregava
Albuquerque fortissimo com glória
Por as praias de Persia, e alcançava
De Nações tão remotas a victoria;
As settas embebidas, que tirava
O arco Armusiano (he larga historia)
Nos ares, Deos querendo, se viravão,
Pregando-se nos peitos que as tiravão.

O querido de Deos, por quem peleja,
O ar tambem e o vento conjurado
Ao atambor lhe acodem, porque veja
Que o que a Deos ama, he de Deos amado:
Os contrarios revéis á Madre Igreja
Atroarão co’o tom do Ceo irado.
Que assi deo ja favor maior que humano
A Josué Hebreo, Teodosio Hispano.

Pois se as settas tiradas da inimiga
Corda, contra si só nocivas são,
Que farão, Rei, as vossas que tẽe liga
Com a que ja tocou Sebastião?
Tinta vem do seu sangue, com que obriga
A levantar a Deos o coração,
Crendo bem que as que vós despedireis,
No sangue Sarraceno as tingireis.

Ascanio, (se trazer me he concedido
Entre santos exemplos hum profano)
Rei do Imperio, despois tão conhecido,
De Roma, e só reliquia do Troiano,
Vingou com setta e ânimo atrevido