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Co'o mesmo vento se accende.

Exprimentou-se algum'hora
D'ave, que chamão Camão,
Que se da casa, onde mora,
Vê adúltera senhora,
Morre de pura paixão.
A dor he tão sem medida,
Que remedio lhe não val.
Mas oh ditoso animal,
Que póde perder a vida,
Quando vê tamanho mal!

Nos gôstos de vos querer
Estava agora enlevado,
Se não fôra salteado
Das lembranças de temer
Ser por outrem desamado.
Estas suspeitas tão frias,
Com que o pensamento sonha,
São assi como as harpias,
Que as mais doces iguarias
Vão converter em peçonha.

Faz-me este mal infinito
Não poder ja mais dizer,
Por não vir a corromper
Os gostos que tenho escrito,
Co'os males qu'hei d'escrever.
Não quero que s'apregôe
Mal tanto para encobrir,
Porque em quanto aqui s'ouvir
Nenhuma outra cousa sôe,
Que a glória de vos servir.