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Traz que vamos;
Ja que temos por certeza
Que quando mais a queremos,
A deixamos.

Gastâmos em alcançá-la
A vida; e quando queremos
Usar della,
Nos tira a morte lográ-la:
Assi que a Deos perdemos,
E a ella.

Porque ja ouvirieis dizer: Ninho feito, pêga morta. Que me dizeis ao contentamento do mundo, que toda a dura delle está emquanto se alcança? Porque acabado de passar, acabado de esquecer. E com razão, porque acabado de alcançar, he passado; e maior saudade deixa, do que he o contentamento que deo. Esperae, por me fazer mercê, que lhe quero dar humas palavrinhas de proposito.

Mundo, se te conhecemos,
Porque tanto desejamos
Teus enganos?
E se assi te queremos,
Mui sem causa nos queixamos
De teus danos.

Tu não enganas ninguem;
Pois a quem te desejar,
Vemos que danas:
Se te querem qual te vem,
Se se querem enganar,
Ninguem enganas.

Vejão-se os bens que tiverão
Os que mais em alcançar-te
Se esmerárão;
Que huns vivendo, não vivêrão,