No mundo poucos annos e cansados
Vivi, cheios de vil miseria e dura:
Foi-me tão cedo a luz do dia escura,
Que não vi cinco lustros acabados.
Corri terras e mares apartados,
Buscando á vida algum remedio ou cura:
Mas aquillo que, em fim, não dá ventura
Não o dão os trabalhos arriscados.
Criou-me Portugal na verde e chara
Patria minha Alemquer; mas ar corruto,
Que neste meu terreno vaso tinha,
Me fez manjar de peixes em ti, bruto
Mar, que bates a Abássia fera e avara,
Tão longe da ditosa patria minha.
Vós, que escuitais em Rimas derramado
Dos suspiros o som que me alentava
Na juvenil idade, quando andava
Em outro em parte do que sou mudado;
Sabei que busca só do ja cantado
No tempo em que ou temia ou esperava,
De quem o mal provou, que eu tanto amava,
Piedade, e não perdão, o meu cuidado.
Pois vejo que tamanho sentimento
Só me rendeo ser fábula da gente,
(Do que comigo mesmo me envergonho)
Sirva de exemplo claro meu tormento,
Com que todos conheção claramente
Que quanto ao mundo apraz he breve sonho.