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SONETOS.


CII.

De amor escrevo, de amor trato e vivo;
De amor me nasce amar sem ser amado;
De tudo se descuida o meu cuidado,
Quanto não seja ser de amor captivo:

De amor que a lugar alto voe altivo,
E funde a gloria sua em ser ousado;
Que se veja melhor purificado
No immenso resplandor de hum raio esquivo.

Mas ai que tanto amor só pena alcança!
Mais constante ella, e elle mais constante,
De seu triumpho cada qual só trata.

Nada, em fim, me aproveita; que a esperança,
Se anima alguma vez a hum triste amante,
Ao perto vivifica, ao longe mata.



CIII.

Se da célebre Laura a formosura
Hum numeroso cysne ufano escreve,
Huma angelica penna se te deve,
Pois o Ceo em formar-te mais se apura.

E se voz menos alta te procura
Celebrar, (oh Natercia!) em vão se atreve:
De ver-te ja a ventura Liso teve,
Mas de cantar-te falta-lhe a ventura.

No ceo nasceste, certo, e não na terra:
Para gloria do mundo cá desceste:
Quem mais isto negar, muito mais erra.

E eu imagino que de lá vieste
Para emendar os vicios que elle encerra,
Co'os divinos poderes que trouxeste.