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SONETOS.
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CXVI.

De cá, donde somente o imaginar-vos
A rigorosa ausencia me consente,
Sôbre as azas de Amor, ousadamente
O mal soffrido esprito vai buscar-vos.

E se não receára de abrazar-vos
Nas chammas que por vossa causa sente,
Lá ficára comvosco e, vós presente,
Aprendêra de vós a contentar-vos.

Mas, pois que estar ausente lhe he forçado,
Por senhora, de cá, vos reconhece,
Aos pés de imagens vossas inclinado.

E pois vêdes a fé que vos offrece,
Ponde os olhos, de lá, no seu cuidado,
E dar-lhe-heis inda mais do que merece.



CXVII.

Não ha louvor que arribe á menor parte
De quanto em vós se vê, bella Senhora:
Vós sois vosso louvor: quem vos adora
Reduz somente a este o engenho e arte.

Quanto por muitas damas se reparte
De bello e de formoso, em vós agora
Se junta em modo tal, que pouco fôra
Dizer que sois o todo, ellas a parte.

Culpa, logo, não he, se vou louvar-vos,
Ver incapazes todos os louvores,
Pois tanto quiz o Ceo avantajar-vos.

Seja a culpa de vossos resplandores;
E a que elles tẽe vos dou, só para dar-vos
O mor louvor de todos os maiores.