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SONETOS.
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CLII.

Olhos, aonde o Ceo com luz mais pura
Quiz dar de seu poder claros signais,
Se quizerdes ver bem quanto possais,
Vêde-me a mi que sou vossa feitura.

Em mi viva vereis vossa figura
Mais propria que em purissimos crystais,
Porque nesta alma he certo que vejais
Melhor que em hum crystal tal formosura.

De meu não quero mais que o meu desejo,
Se acaso por querer-vos mais mereço,
Porque o vosso poder em mi se asselle.

Do mundo outra memoria em mi não vejo:
Com lembrar-me de vós, delle me esqueço,
Com triumphardes de mi, triumpharei delle.



CLIII.

Criou a natureza Damas bellas,
Que forão de altos plectros celebradas;
Dellas tomou as partes mais prezadas,
E a vós, Senhora, fez do melhor dellas.

Ellas diante vós são as estrellas,
Que ficão com vos ver logo eclipsadas.
Mas se ellas tẽe por sol essas rosadas
Luzes de sol maior, felices ellas!

Em perfeição, em graça e gentileza,
Por hum modo entre humanos peregrino,
A todo bello excede essa belleza.

Oh quem tivera partes de divino
Para vos merecer! Mas se pureza
De amor vai ante vós, de vós sou dino.