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SONETOS.


CL.

Coitado! que em hum tempo chóro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me allegro e me entristeço;
Confio de huma cousa e desconfio.

Vôo sem azas; estou cego e guio;
Alcanço menos no que mais mereço;
Entaõ fallo melhor, quando emmudeço;
Sem ter contradiçaõ sempre porfio.

Possivel se me faz todo o impossivel;
Intento com mudar-me estar-me quedo;
Usar de liberdade, e ser captivo;

Queria visto ser, ser invisivel;
Ver-me desenredado, amando o enredo:
Taes os extremos são com que hoje vivo!



CLI.

Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me, tão entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado,
E de humanos commercios esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quasi que sôbre elle ando dobrado,
Tenho por baixo, rustico, e enganado
Quem não he com meu mal engrandecido.

Vá revolvendo a terra, o mar, e o vento,
Honras busque e riquezas a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma.

Que eu por amor sómente me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso formoso gesto dentro da alma.