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SONETOS.


CLXXXII.

Aqui de longos damnos breve historia
Verão os que se jactão de amadores:
Reparo póde ser das suas dores
Não apartar as minhas da memoria.

Escrevi, não por fama, nem por gloria,
De que outros versos são merecedores,
Mas por mostrar seus triumphos, seus rigores
A quem de mi logrou tanta victoria.

Crescendo foi a dor co'o tempo, tanto
Que em número me fez, alheio de arte,
Dizer do cego Amor, que me venceo.

Se ao canto dei a voz, dei a alma ao pranto;
E dando a penna á mão, esta só parte
De minhas tristes penas escreveo.



CLXXXIII.

Por sua Nympha Céphalo deixava
A Aurora, que por elle se perdia,
Postoque dá principio ao claro dia,
Postoque as roxas flores imitava.

Elle, que a bella Procris tanto amava,
Que só por ella tudo engeitaria,
Deseja de tentar se lhe acharia
Tão firme fé, como ella nelle achava.

Mudado o trage, tece hum duro engano;
Outro se finge, preço põe diante;
Quebra-se a fé mudavel, e consente.

Oh subtil invenção para seu dano!
Vêde que manhas busca hum cego amante
Para que sempre seja descontente!