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SONETOS.


CLXXXVI.

Os olhos onde o casto Amor ardia,
Ledo de se ver nelles abrazado;
O rosto onde com lustre desusado
Purpurea rosa sôbre neve ardia;

O cabello, que inveja ao sol fazia,
Porque fazia o seu menos dourado;
A branca mão, o corpo bem talhado,
Tudo aqui se reduz a terra fria.

Perfeita formosura em tenra idade,
Qual flor, que antecipada foi colhida,
Murchada está da mão da morte dura.

Como não morre Amor de piedade?
Não della, que se foi á clara vida;
Mas de si, que ficou em noute escura.



CLXXXVII.

Ditosa penna, como a mão que a guia
Com tantas perfeições da subtil arte,
Que quando com razão venho a louvar-te,
Em teus louvores perco a phantasia.

Porém Amor, que effeitos varios cria,
De ti cantar me manda em toda parte,
Não em plectro belligero de Marte,
Mas em suave e branda melodia.

Teu nome, Emmanuel, de hum n'outro pólo,
Voando se levanta e te pregoa,
Agora que ninguem te levantava.

E porque immortal sejas, eis Apolo
Te offerece de flores a coroa,
Que ja de longo tempo te guardava.