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SONETOS.


CCXXX.

Debaixo desta pedra sepultada
Jaz do mundo a mais nobre formosura,
A quem a morte, só de inveja pura,
Sem tempo sua vida tẽe roubada,

Sem ter respeito áquella assi estremada
Gentileza de luz, que a noite escura
Tornava em claro dia; cuja alvura
Do sol a clara luz tinha eclipsada.

Do sol peitada foste, cruel morte,
Para o livrar de quem o escurecia;
E da lua, que ante ella luz não tinha.

Como de tal poder tiveste sorte?
E se a tiveste, como tão asinha
Tornaste a luz do mundo em terra fria?



CCXXXI.

Imagens vãas me imprime a phantasia;
Discursos novos acha o pensamento;
Com que dão á minha alma grão tormento
Cuidados de cem annos n'hum só dia.

Se fim grande tivessem, bem sería
Responder a esperança ao fundamento:
Mas o fado não corre tão a tento,
Que reserve á razão sua valia.

Caso e Fortuna pódem acertar;
Mas se por accidente dão victoria,
Sempre o favor da Fama he falsa historia.

Excede ao saber, determinar:
Á constancia se deve toda a gloria:
O ânimo livre he digno de memoria.