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De toda cousa humana inferior,
A quem o cego error sempre anda annexo!
Mas eu de que me queixo? ou eu que digo?
Vive o tempo comigo? ou elle tem
Culpa no mal que vem da cega gente?
Por ventura elle sente, ou elle entende
Aquillo que defende o ser divino?
Elle usa de contino seu officio,
Que ja por exercicio lhe he devido:
Dá-nos fructo colhido na sazão
Do formoso verão; e no inverno,
Com seu humor eterno congelado,
Do vapor levantado co'a quentura
Do sol, a terra dura lhe dá alento,
Para que o mantimento produzindo,
Estê sempre cumprindo seu costume.
Assi que não consume de si nada,
Nem muda da passada vida hum dedo:
Antes sempre está quedo no devido,
Porqu'este he seu partido e sua usança;
E nelle esta mudança he mais firmeza.
Mas quem a Lei despreza, e pouco estima,
De quem de lá de cima está movendo
O ceo sublime e horrendo, o mundo puro,
Este muda o seguro e firme estado
Do tempo, não mudado de verdade.
Não foi naquella idade d'ouro claro
O firme tempo charo e excellente?
Vivia então a gente moderada;
Sem ser a terra arada dava pão;
Sem ser cavado o chão as fructas dava;{