Aconteceo-me hum caso desusado,
(Inda que d'huma cousa n'outra salto)
Digno, por ser de amor, de ser contado.
Pescando hontem á tarde no mar alto,
Suspenso nessa rara formosura,
A quem com mil lembranças nunca falto,
Comecei a cantar: Lilia, mais dura
Que a mais inculta rocha rodeada
Do mar, de cujo encontro está segura;
Mais alva que jasmins, e mais córada
Que purpureas serejas polo Maio;
Mais loura que manhãa desentrançada;
Não vês... dizer queria que desmaio,
Quando (cousa que mal me será crida)
No mar, vencido d'hum, do barco caio?
Alli tivera fim a triste vida,
Se d'hum brando delfim, que me escuitava,
Não fôra, por ser tua, soccorrida.
Parece que tambem vencido estava
Do mal, de que me via andar vencido,
Quem em tamanho risco m'ajudava.
Trouxe-me sôbre si adormecido,
Nadando ao som das ondas mansamente,
Até que me sentio em meu sentido.
Livre deste mortal, bravo accidente,
Tal foi o espanto meu, tal meu temor,
Que d'outro me livrei escaçamente.
Mas logo o amoroso nadador
Me poz junto do barco, que tão perto
Esteve de ficar sem pescador.
O sol era de todo ja coberto,{