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Lembrava a huns claros olhos que ja vi;
E s'esta triste voz, rompendo fóra,
As orelhas angelicas tocasse
Daquella em cuja vista ja vivi;
A qual, tornando hum pouco sôbre si,
Revolvendo na mente pressurosa
Os tempos ja passados
De meus doces errores,
De meus suaves males e furores,
Por ella padecidos e buscados,
E (pôsto que ja tarde) piedosa,
Hum pouco lhe pezasse,
E lá entre si por dura se julgasse:
Isto só que soubesse me seria
Descanso para a vida que me fica;
Com isto affagaria o soffrimento.
Ah Senhora! Ah Senhora! E que tão rica
Estais, que cá tão longe d'alegria
Me sustentais com doce fingimento!
Logo que vos figura o pensamento,
Foge todo o trabalho e toda a pena.
Só com vossas lembranças
Me acho seguro e forte
Contra o rosto feroz da fera morte;
E logo se me juntão esperanças
Com que, a fronte tornada mais serena,
Torno os tormentos graves
Em saudades brandas e suaves.
Aqui com ellas fico perguntando
Aos ventos amorosos, que respirão
Da parte donde estais, por vós Senhora;{332}