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ODE VI.
Póde hum desejo immenso
Arder no peito tanto,
Que á branda e á viva alma o fogo intenso
Lhe gaste as nodoas do terreno manto;
E purifique em tanta alteza o esprito
Com olhos immortais,
Que faz que leia mais do que vê'scrito.
  Que a flamma, que se accende
Alto, tanto allumia,
Que se o nobre desejo ao bem s'estende
Que nunca vio, o sente claro dia;
E lá vê do que busca o natural,
A graça, a viva côr,
N'outra especie melhor que a corporal.
  Pois vós, ó claro exemplo
De viva formosura,
Que de tão longe cá noto e contemplo
N'alma, que este desejo sobe e apura;
Não creais que não vejo aquella imagem
Que as gentes nunca vem,
Se de humanos não tem muita vantagem.
  Que se os olhos ausentes
Não vem a compassada
Proporção, que das côres excellentes
De pureza e vergonha he variada;
Da qual a Poesia, que cantou{374}