Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/87

SONETOS.
13


XXIV.

Aquella triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Em quanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.

Ella só, quando amena e marchetada
Sahia, dando á terra claridade,
Vio apartar-se de huma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada

Ella só vio as lagrimas em fio,
Que de huns e de outros olhos derivadas,
Juntando-se, formárão largo rio

Ella ouvio as palavras magoadas,
Que puderão tornar o fogo frio,
E dar descanço ás almas condemnadas.



XXV

Se quando vos perdi, minha esperança,
A memoria perdêra juntamente
Do doce bem passado e mal presente,
Pouco sentira a dor de tal mudança.

Mas Amor, em quem tinha confiança,
Me representa mui miudamente
Quantas vezes me vi ledo e contente,
Por me tirar a vida esta lembrança.

De cousas de que apenas hum signal
Havia, porque as dei ao esquecimento,
Me vejo com memorias perseguido.

Ah dura estrella minha! Ah grão tormento!
Que mal póde ser mor, que no meu mal
Ter lembranças do bem que he ja passado?