De vós me parto, ó vida, e em tal mudança
Sinto vivo da morte o sentimento.
Não sei para que he ter contentamento,
Se mais ha de perder quem mais alcança.
Mas dou-vos esta firme segurança:
Que postoque me mate o meu tormento,
Por as aguas do eterno esquecimento
Segura passará minha lembrança
Antes sem vós meus olhos se entristeção,
Que com cousa outra alguma se contentem:
Antes os esqueçais, que vos esqueção.
Antes nesta lembrança se atormentem,
Que com esquecimento desmereção
A gloria que em soffrer tal pena sentem.
Chara minha inimiga, em cuja mão
Poz meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a ti na terra sepultura,
Porque me falte a mi consolação.
Eternamente as águas lograrão
A tua peregrina formosura:
Mas em quanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minha alma te acharão.
E se meus rudos versos podem tanto,
Que possão prometter-te longa historia
De aquelle amor tão puro e verdadeiro;
Celebrada serás sempre em meu canto:
Porque em quanto no mundo houver memoria,
Será a minha escriptura o teu letreiro.