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As donzelas dormidas por cem anos -
Do seu imaginar esgrime as sombras
E dá botes de lança nos moinhos.

Mas não escreve sátiras: apenas
Na idade das visões dá corpo aos sonhos,
Faz trovas e não talha carapuças,
Nem rebuça no véu do mundo antigo,
Pra realce maior, presentes vícios,
Não segue Juvenal e não embebe
Em venenoso fel a pena escura
Para nódoas pintar no manto alheio.

O tempo em que se passa agora a cena
É o século dos Bórgias. O Ariosto
Depôs na fronte a Rafael gelado
Sua c'roa divina e o segue ao túmulo.
Ticiano inda vive. O rei da turba
É um gênio maldito — o Aretino,
Que vende a alma e prostitui as crenças.
Aretino! essa incrível criatura,
Poeta sem pudor, onda de lodo
Em que do gênio profanou-se a pérola...
Vaso d'oiro que um óxido sem cura
Azinhavrou de morte... homem terrível
Que tudo profanou co'as mãos imundas,