Renasça o ardor que tínheis ao deixardes
Ithaca alpestre: agora ah! desabridos
Por tão penoso errar, por tantas mágoas,
Ao júbilo e prazer sois insensíveis!»

Comoveu-nos, e em mimos lá ficamos350
Um ano inteiro. As estações decorrem
E longuissimos dias, e em segredo
Os meus advertem-me: «Infeliz, deslembras
O chão natal? O fado reservou-te
Á patria e aos lares teus.» Meu brio esperta.355

Enquanto o Sol não cai, bom vinho e carnes
Desfrutamos; á noite, por obscuras
Salas dormindo os mais, subo ao divino
Tálamo refulgente e me ajoelho:
«Cumpre, Circe, a promessa, a patria anelo;360
Por mim to rogo, pelos ais de tantos
Que em tua ausencia o coração me partem.»

A augustissima nympha respondeu-me:
«Divo astuto Laércio, constranger-vos
Não quero; mas convém baixeis primeiro365
De Prosérpina e Dite á feia estância,
O vate a consultar cego Tirésias,
Único morto a quem a inferna Juno
O saber e o pensar tem conservado,
Não sendo os outros mais que aéreas sombras.»370

De alma rasgada, a Circe a cama inundo,
Enjeito a vida, o claro Sol odeio;
Mas, de chorar e revolver-me lasso:
«Quem há-de, perguntei, pilotear-me?
No Orco nenhum desembarcou té hoje.»375

«Isso, replica, não te dê cuidado:
Arma, Ulysses, o mastro, expande as velas;
Senta-te, e a Bóreas encomenda o rumo.
Quando, por entre o pego, á mole praia
E ao luco de Prosérpina chegares,380
De salgueiros estéreis e altos choupos,
Surjas lá no Oceano vorticoso,
E á casa opaca de Plutão caminhes,
Onde o Cocito, que do Estige mana,
Com o ígneo Flegetonte, separando385