Vi Sísifo, anelante e afadigado,
Em pés e mãos firmar-se, pedra ingente
Para um monte empurrando, e lá do cume
Galgado por Crateis, rolar de novo
O pertinaz penedo; ei-lo persiste,470
Suor escorre e a testa se empoeira.

Hércules se me antolha, em simulacro,
Pois no céo liba o néctar, caro esposo
De Hebe de lindos pés, de Jove e Juno
De áureas sandálias filha: em guinchos de aves,475
Cercam-no, espalham-se, a fugir os mortos;
Cor da noite, elle ajusta a frecha ao nervo,
Na ação de disparar, tétrico olhando.
Ao peito áureo talim cinge estupendo,
Onde leões, javardos e ursos, tinha480
Com primor esculpidos, e recontros
E batalhas e estragos e homicídios:
Mestre algum peça igual fabricou nunca,
Nem há de fabricar. O herói sem custo
Reconhece-me e fala comovido:485
«Nobre e sábio Laércio, ai! tens a sorte
Misérrima que tive, quando aos raios
Eu respirei do Sol. Nasci de Jove,
Mas fui de angústias mil atormentado,
Sujeito a homem de valor somenos,490
Que me impunha asperissimos trabalhos!
Cargo o pior, mandou-me o cão trifauce
Cá prender; eu do inferno o tirei fora,
Por Mercurio ajudado e por Minerva.»

Disse e foi-se ao profundo; eu quedo espero495
Por mais outros varões dos priscos tempos:
Gostoso a muitos vira, e contemplara
Pirítoo e Teseu, divina prole;
Mas com harto ruído infinda chusma
Ávida concorrendo, enfim de medo500
Que do imo a soberana me enviasse
A Gorgônia horrendissima cabeça.
Rápido embarco a gente e safo os cabos;
Nas tostes a maruja, a correnteza
Pelo Oceano rio nos levava,505
Ao som da voga e favoravel brisa.