Tu que do alheio na abundância nadas,
E um pedaço de pão sem dó me negas.»

De cólera abafado, o encara Antino:
«Já que insultos proferes, fico-te ora
Que não saias daqui sem vitupério.»350
E despede o escabelo, que lhe apanha
Do ombro direito a ponta: firme rocha,
Do tiro zomba, tácito a cabeça
Meneia e urde vingar-se. Ao portal volve
Com seu provido alforje: «Amantes, clama,355
Da grã rainha, est’alma vos descubro:
Mágoa e opróbio não é feridos sermos
Em defensa dos bens e bois e ovelhas;
Mas Antino feriu-me, porque a fome,
Causa de infindos males, me atormenta.360
Se o pobre é caro aos numes e ás Erínies,
Antes do seu noivado a morte o sorva!»

E o filho de Eupiteu: «Come tranqüilo,
Ou mosca-te, importuno, antes que os servos
Por mão ou pé rojando-te, insolente,365
Retalhem-te esse corpo.» — Os mais se indignam,
E um diz: «Por que esse mísero maltratas?
Nume será talvez: que em trajo os numes
De peregrinos as cidades vagam,
Mil formas revestindo e inspecionando370
A dos homens justiça ou petulância.»

Ele surdo mofafa; mas seu golpe
A Telemacho no íntimo doía,
Que mudo, a ruminar, também meneia,
Sem verter uma lágrima, a cabeça.375
Ouviu dentro Penélope o sucesso,
E imprecou: «Tal o fira o arqueiro Apolo!»
Mas a ecônoma Eurinoma: «Valessem
Pragas nossas, que um só do rubro eôo
Não reveria o coche.» E inda a senhora:380
«Maus, ama, todos são, maquinam todos;
Porém Antino iguala a nera Parca.
Da penuria impelido, um miseravel
Pedia esmola: os príncipes lha davam;
Ele o escabelo á espádua arremessou-lhe.»385