A chamar as mulheres corre a velha.
Súbito Palas em suave sono
Os membros ensopou da Icária prole,
Que adormeceu no leito reclinada;
Limpou-lhe o vulto com divina ambrosia,150
Para que mais a admirem, como Vênus
Engrinaldada se unta e purifica,
Das Graças quando parte ao coro amavel;
Fê-la mais alva que o marfim recente,
Mais nédia e esbelta. Retirou-se a deusa,155
Das braciníveas servas ao ruído;
Ela acorda, e a falar se entrega e enxuga:

«Alliviou-me o sono os pesadumes.
Doce morte ah! mandasse a casta diva,
Para não mais gastar os anos tristes,160
Saudosa do marido, que era aos Dânaos
Em qualquer das virtudes vivo espelho!»

Não só, das duas fâmulas no meio,
Gentil baixa da câmara estupenda;
Á portada soberba, o véo luzido165
Proclina, e ao vê-la, de joelhos frouxos,
Em êxtases de amor, ficaram todos
Por seu leito almejando. Assim prorrompe:

«O juizo, meu Telemacho, perdeste.
Menino, eras cordato: hoje, que és púbere,170
E quem quer, pelo talhe e galhardia,
De opulento senhor dir-te-á nascido,
Não tens mais sisudeza nem justiça.
Nesta casa cometem-se atentados,
A teu hospede insultam: que! permittes,175
Sem temor da desonra e eterno opróbrio,
Que em nosso lar um peregrino vexem!»

«Minha mãe, torna o jovem, que te agastes
Não o estranho. Hoje n’alma o justo e injusto
Sei pesar; mas, há pouco na puericia,180
Ter não posso prudencia consumada.
Falto de auxilio, empecem-me contrários,
Que uns dos outros a par forjam meu dano:
Só culpa eles não têm na briga de Iros
Com o estrangeiro, vencedor pujante.185