No seu vigor e próspera fortuna,
Com desgraça não conta, e se esta o assalta,
Não sabe suportá-la e acusa os deuses;
Pois têm versátil ânimo os terrestres,
Segundo altera Júpiter os dias.110
No tempo em que eu passava por ditoso,
Muita injustiça obrei, nas próprias forças,
No genitor e meus irmãos, fiado,
Ímprobo ninguém seja; em paz gozemos
O que o Céo nos outorgue. Os procos vejo115
Consumindo, abatendo, violentando
A mulher de um varão, que perto enxergo.
Levem-te á casa os deuses, não te encontre
Á hora da vingança: eu não presumo
Quem sem sangue se expurgue este palacio.»120

Eis liba o doce vinho, e a taça rende
Ao maioral Anfínomo. Este a sala,
A cabeça tristonho sacudindo,
Pressago atravessava, e á Parca adicto,
Sentar-se foi, reposto por Minerva,125
Que á lança de Telemacho o destina.

De Icário á filha a mesma Olhicerúlea
Mostrar-se inspira, a fim que excite os procos
E ante o filho e o marido mais se exalte.
Com leve riso: «Eurínoma, diz ela.130
Desejo ir aos amantes odiosos,
E a meu filho avisar que o trato fuja
De homens com fel no peito e mel nos lábios.»

«Tens razão, filha, a econôma responde;
Repreende-o, nada omitas. Mas primeiro135
Banha o corpo, unge as faces; não turvado
Apareça de lágrimas teu rosto:
Chorar contínuo dana. Vai, com barba
Ei-lo já, como aos numes suplicavas.»

«Ama, insiste a rainha, tu zelosa140
De abluções e perfumes não me fales:
Os imortaes meu brilho embaciaram,
Dês que elle a Tróia andou. Por companheiras
Cá me envies Autônoe e Hipodâmia:
De ir só ter com varões tenho vergonha.»145