Insolentes rivais. Em vulto humano,
Palas se lhe oferece á cabeceira:
«Por que velas, misérrimo dos homens?
Tens casa, tens mulher, tens nobre filho,
Filho que outro qualquer te invejaria.»30

«Sempre acertas, responde, onisciente;
Mas posso haver-me, ó deusa, contra a chusma
Que infesta o meu palacio? Inda rumino
Outro cuidado: se os vencer, por graça
De Jove e tua, escaparei com vida?35
Rogo-te me aconselhes.» — «Insensato!
Grita Minerva, um homem noutro néscio
Homem se fia, e tu de mim duvidas?
Guardo-te sempre, e deusa te protejo.
Eu to declaro: embora multilíngües40
Cinqüenta batalhões, a rodear-nos,
O exicio teu conspirem, bois e ovelhas
Tu lhes depredarias. Dorme, é grave
Passar a noite em claro, e o teu mal finda.»
E espreme-lhe nas pálpebras o sono,45
E ao céo volve no instante em que o sossego
Lhe absorve as penas e amolenta os membros.

Cedo acorda, e sentada ao fofo leito,
Lassa do pranto, ora a Diana a diva,
Das mulheres modelo, honesta esposa:50
«De Jove augusta prole, ou tu me arranques
Esta alma a tiros, ou tufão me jogue,
Arrebatada pelos ares cegos,
Ás fauces do retrógrado Oceano;
Sorte que outrora ás Pandareidas coube.55
Órfãs, sozinhas, por querer supremo,
De leite e mel suave e doce vinho
Citeréia as nutria, deu-lhes Juno
Formosura e juizo incomparaveis,
O talhe Délia, os dotes seus Minerva;60
Mas, remontando Vênus ao Tonante,
Que a fundo a sina dos mortaes conhece,
A pedir flóreas núpcias para as virgens,
As Harpias, roubando-as, ao serviço
Das medonhas Erínies as puseram.65