E a fremir escarcéos, e lisa penha
Escarpada e a raiz na profundeza.
Não posso os pés firmar para evadir-me:
Por mais que eu lide, á resvalente roca
Talvez do fluxo o ímpeto me esbarre;310
Se além nado a encontrar ou seio ou passo,
Temo que entre gemidos a ressaca
Me empuxe e empegue, e infenso deus me lance
Algum dos monstros que Anfitrite cria;
Sei quanto me é contrário o grã Neptuno».315

Inda pensava, e á crespa riba um feio
Esto o rebate; e a cútis lacerava
E fraturava os ossos por Minerva
Se não fosse inspirado: a penha aferra
De ambas as mãos, e aguarda em ais que o rolo320
O deixe ao recuar, mas o refluxo
Ao largo o arrasta e longe; e qual pólipo,
Que destacam da cama, traz pedrinhas
Apegadas aos pés, retém o escolho
Das fortes mãos tenazes a epiderme.325
Da marejada opresso, ah! perecera
Contra o fatal querer, se a gázea Palas
A prudencia do herói não reforçasse.
Do fundo acima vem, transnada e fende
Marulhos que bramindo a costa orvalham,330
Uma abra demandando, enseada ou praia;
A foz emboca enfim de um rio ameno,
Tuto e limpo de pedras e abrigado;
Reconhecida a veia, orou devoto:
«Quem sejas, rio, atende as preces minhas;335
Do furor de Neturno a ti recorro.
Um peregrino é sacro aos mesmos deuses:
Eu, peregrino errante, há muito sofro;
Suplico, ó rei, de mim te compadeças.»

Tranqüilo a correnteza o rio amaina,340
Recebe-o em sua areia. Ele os nervudos
Braços contrai e pernas; combalido,
Inchado o corpo, alija amargas gotas
Pelos beiços e ventas; anelante,
Sem voz e extenuado, o corpo estende.345