Resfolga e areja, anima-se, descinge
E entrega a banda ao rio, que a transporta;
Ino dela se apossa. Em apartado,
Num juncal se reclina, e o chão beijando,
Fala á sua alma grande: «Ai! que me resta?350
Se ao relento pernoito ás margens turvas,
O rocio matutino e as graves auras
Me abaterão de todo: em selva opaca,
A consentir-me estar cansaço e frio,
Dormirei sossegado; mas receio355
Ser de feras escárnio e mantimento.»

Reflete, e envia-se á floresta umbrosa,
Em monte ao pé do rio. Uma figueira
E um zambujo, a medrar na mesma touça,
Ali de modo achavam-se enredados,360
Que nem úmidos sopros, sóis violentos,
Nem chuveiros a copa transpassavam:
Debaixo acama Ulysses tantas folhas,
Quantas para a abrigar dous ou três homens
Em rigoroso inverno bastariam;365
Ledo se deita e chimpa-se no meio.
Qual, no extremo de um campo sem vizinhos,
Conservando semente para o fogo,
Mete alguém seu tição na escura cinza;
O paciente herói se esconde nelas.370
Palas, porque o descanse das fadigas,
Lhe derrama nas pálpebras o sono.

 

NOTAS AO LIVRO V

 

120-121 — É notavel que a descrição da jangada assim aqui como mais adiante, case inteiramente com o que vemos hoje em dia. As que andam nas costas de muitas províncias do Brasil têm o mesmo soalho de que fala Homero, com um banco alto onde os jangadeiros atam os cabos da vela. Este soalho ou tabulado é um como tombadilho, mas não comparavel aos dos navios; e eu o chamara jirau, nome da lingua geral dos indígenas usado para significar o objeto, se não temesse a pecha de querer acaboclar a linguagem de Homero. Pobre tradutor do poeta, já me vi metido em uma jangada na costa do Ceará, a qual saía