ao mar pela primeira vez e tinha uma vela descompassada; virou-se, e tive de perder entre as grossas vagas chapéo, sapatos e meias: foi este um dos grandes perigos em que me tenho achado. A nympha Ino certamente não me acudiu nem me emprestou a cintura de salvação, como fez a Ulysses; mas outra jangada, maior e melhor, veio em socorro nosso, e levou-me de pés descalços a bordo do brigue português Aurora, que me transportou ao Maranhão. Os velhos gostam de memorar as suas aventuras.

148-155 — Rochefort, cujas reflexões acerca de Homero são de ordinário cordatas, é um dos seus mais insuportaveis tradutores: nesta fala, não só alambica as expressões amatórias, mas empresta ao singelo autor cousas alheias ao seu pensamento, chamando a Penélope, v. g., vulgaire objet d’une folle tendresse; e, gabando-se Calypso da sua beleza imortal, acrescenta: Car j’ai lieu de penser que mon air et mes traits, �e sont point au dessous de ses faibles attraits. Busquei nada emprestar ao poeta: coteje o leitor paciente o original com as nossas duas traduções.

193-195 — Calypso não só meteu num surrão os mais necessários comestíveis, mas também num saco vários manjares delicados ou acepipes. Em vez de seguir o original nestas interessantes miudezas, traz Rochefort os seus dous versos: Tout chargé des présens qu’une amante attendrie Remet, en soupirant, á 1’amant qui 1’oublie. E explica em nota quais eram os presentes, dizendo que os suprimia, porque o francês não podia exprimir tais particularidades! M. Giguet e outros modernos têm mostrado quão fútil é a censura que era moda fazer á lingua francesa.

206 — Afirmam que o rinón do original é uma nuvem, e termo da lingua dos Ilírios; mas Homero não escreveu nessa lingua. Podia a ilha Esquéria, ou seja Corfu ou qualquer outra, apresentar-se a Ulysses por algum lado que tivesse a figura de um escudo; ao menos é o que diz o poeta. Junto a Santos no Brasil há uma ilha que chamam a Moela, por ter a forma deste estômago das aves depois de aberto e como costuma vir ás mesas; uma das maravilhas do nosso globo, é o agregado de montanhas do Rio de Janeiro que todas juntas representam um gigante deitado: que impossibilidade há de oferecer uma ilha a figura de um escudo? A maior parte dos tradutores cingem-se a este sentido.

359 — Opinei, em nota á Ilíada, que éphineòs não era em geral figueira brava, mas uma chamada baforeira: aqui opino que phuliès também não é figueira brava em geral, mas aquela que os Latinos dizem olester, e nós dizemos azambujeiro ou zambujeiro ou zambujo. Os que traduzem não especificadamente são obrigados a confundir as duas árvores, isto é, a que Homero denomina éphineòs com a que denomina phuliès: quem traduz os antigos deve ser escrupuloso nestas particularidades, que, não sendo sempre essenciais, podem sê-lo algumas vezes.