Como houveste essa túnica e esse manto?
Não dizes tu que náufrago abordaste?»

«Narrar-te já, responde, quantos males,
Senhora, o Céo vibrou-me, é mui difícil;
Mas ao que me perguntas satisfaço.190
De humanos e mortaes mora apartada,
Na Ogígia ilha do alto mar, Calypso,
De Atlante gérmen, de encrespada coma,
Ardilosa e tremenda; ali mau gênio
Lançou-me só, desfeito havendo Jove195
A raio a embarcação no escuro abismo,
Onde os meus nautas soçobraram todos.
Por nove dias, aferrado á quilha,
De vaga em vaga, ao décimo de noite
A praia toco. A nympha carinhosa200
Me tratou, me nutriu, velhice e morte
Quis tolher-me, e abalar-me nunca pôde.
Firme reguei de choro as dadas roupas
Incorruptíveis; mas, de Jove ao mando
Ou volúvel, no curso do ano oitavo205
A partir me exortou numa jangada,
Pão forneceu-me e vinho e odoras vestes,
Favônias a invocar-me auras suaves.
Aos oito sóis de undívaga derrota,
Vossa alta umbrosa terra apareceu-me,210
E no peito exultei. Mas ai! Neptuno,
Insensível ao pranto, em furor sempre,
Com vastas brenhas de surdir me impede,
E a barca um vagalhão me desconjunta.
As ondas meço a braço, té que á ilha215
Sanhudas nuns penedos me remessam
Inacessíveis. Novamente nado,
A foz emboco enfim de um rio ameno,
Tuto e limpo de escolhos e abrigado;
Em salvo, ânimo cobro. A tarde assoma,220
Deixo o rio Dial; em selva opaca,
Inda que atribulado, acamo folhas,
E um deus noite e manhã me embebe em sono.
Ao declinar do Sol, acordo e avisto
A filha tua ás imortaes parelha,225