Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/245

OBJECÇÕES DIVERSAS
219

questão não está lealmente posta. A maior parte dos transformistas admitem que os mamíferos derivam de uma forma marsupial; se assim é, as glândulas mamárias devem ter-se desenvolvido a princípio no saco marsupial. O peixe Hippocampus choca os ovos e nutre os filhos durante algum tempo num saco deste género; um naturalista americano, M. Lockwood, concluiu do que tem visto do desenvolvimento dos filhos, que são nutridos por uma secreção das glândulas cutâneas do saco. Ora, não é pelo menos possível que os filhos possam ter sido nutridos semelhantemente entre os antepassados primitivos dos mamíferos antes mesmo que merecessem este último nome? Neste caso, produzindo os indivíduos um líquido nutritivo, aproximando-se da natureza do leite, devem ter, na sequência do tempo, produzido um maior número de descendentes bem nutridos, do que os que produzissem um líquido mais pobre; as glândulas cutâneas que são as homólogas das glândulas mamárias, devem ter-se assim aperfeiçoado e tornado mais activas. O facto de, num certo ponto do saco, as glândulas se desenvolverem mais do que noutros, concorda com o princípio tão extenso da especialização; estas glândulas terão constituído então um seio, a princípio desprovido de mamilo como o observamos no ornitorrinco no mais baixo grau da escala dos mamíferos. Não pretendo, de forma alguma, julgar da parte que se pode ter prendido à especialização mais completa das glândulas, quer seja a compensação do crescimento, quer os efeitos do uso, quer a selecção natural.

O desenvolvimento das glândulas mamárias não poderia ter prestado qualquer serviço, e não teria podido, por conseguinte, ser efectuado pela selecção natural, se os filhos ao mesmo tempo não pudessem tirar a sua nutrição das secreções de tais glândulas. Nada mais difícil de compreender do que como é que os novos mamíferos aprenderam instintivamente a sugar uma mama, e ainda explicar como os pintainhos, para saírem do ovo, aprenderam a quebrar a casca ferindo-a com o bico adaptado especialmente a este fim, ou como, algumas horas depois da eclosão, sabem esgaravatar e apanhar do chão os grãos destinados à sua nutrição. A explicação mais provável, nestes casos, é que o hábito, adquirido pela prática numa idade mais avançada, se transmitiu, por hereditariedade, à idade mais precoce. Diz-se que o canguru novo não sabe sugar e apenas se segura ao mamilo da mãe, que tem o poder de injectar leite na boca do filho impotente e meio formado. M. Mivart nota a este respeito: «Sem uma disposição especial, o filho seria infalivelmente sufocado pela introdução do leite na traqueia. Mas