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ORIGEM DAS ESPÉCIES


APARIÇÃO SÚBITA DE GRUPOS INTEIROS DE ESPÉCIES ALIADAS

Muitos paleontólogos, Agassiz, Pictet e Sedgwick por exemplo, têm acusado a aparição súbita de grupos inteiros de espécies em certas formações como um facto inconciliável com a teoria da transformação. Se espécies numerosas, pertencendo aos mesmos géneros ou às mesmas famílias, tivessem realmente aparecido de repente, este facto destruiría a teoria da evolução pela selecção natural. Com efeito, o desenvolvimento, pela selecção natural, de um conjunto de formas, todas provindo de um ascendente único, deve ter sido muito longo, e as espécies primitivas devem ter vivido muitos séculos antes da sua descendência modificada. Mas, dispostos como estamos a exagerar continuamente a perfeição dos arquivos geológicos, concluímos, muito falsamente, que certos géneros ou certas famílias não foram encontradas debaixo de uma camada, que não existiram antes do depósito dessa camada. Podemos confiar completamente nas provas paleontológicas positivas; mas, como a experiência no-lo tem demonstrado muitas vezes, as provas negativas não têm valor algum. Esquecemos sempre quão grande é a Terra, comparada à superfície suficientemente estudada das nossas formações geológicas; não atendemos a que grupos de espécies podem ter existido, demais a mais, durante muito tempo, e terem-se multiplicado lentamente antes de invadirem os antigos arquipé lagos da Europa e dos Estados Unidos. Não reparamos o bastante nos enormes intervalos que devem ter decorrido entre as nossas formações sucessivas, intervalos que, em muitos casos, foram talvez mais longos que os períodos necessários à acumulação de cada uma destas formações. Estes intervalos permitiram a multiplicação de espécies derivadas de uma ou de muitas formas-mães, constituindo grupos que, na formação seguinte, apareciam como se fossem criados sùbitamente.

É-me preciso lembrar aqui um ponto a que já aludi; e é que deve ser necessária uma longa sucessão de séculos para adaptar um organismo a condições inteiramente novas, tais como ao voo, por exemplo. Por isso, as formas de transição devem, muitas vezes, ter ficado por longo tempo circunscritas nos limites da mesma localidade; mas, desde que esta adaptação se efectuou, e que algumas espécies adquiriram assim uma vantagem notável sobre os outros organismos, não é necessário mais do que um tempo relativamente curto para produzir um grande número de formas divergentes, aptas a espalharem-se ràpida-