OS MAIAS
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sua figura esgrouviada e sêcca, os pêllos do bigode arrebitados sob o nariz adunco, um quadrado de vidro entalado no olho direito — ­tinha realmente alguma coisa de rebelde e de satanico. Desde a sua entrada na Universidade renovára as tradições da antiga Bohemia: trazia os rasgões da batina cozidos a linha branca; embebedava-se com carrascão; á noite, na Ponte, com o braço erguido, atirava injurias a Deus. E no fundo muito sentimental, enleado sempre em amores por meninas de quinze annos, filhas de empregados, com quem ás vezes ia passar a soirée, levando-lhes cartuchinhos de dôce. A sua fama de fidalgote rico tornava-o appetecido nas familias.

Carlos escarnecia estes idyllios futricas; mas tambem elle terminou por se enredar n’um episodio romantico com a mulher d’um empregado do governo civil, uma lisboetasinha, que o seduziu pela graça d’um corpo de boneca e por uns lindos olhos verdes. A ella o que a fanatisára fôra o luxo, o groom, a egoa ingleza de Carlos. Trocaram-se cartas; e elle viveu semanas banhado na poesia aspera e tumultuosa do primeiro amor adultero. Infelizmente a rapariga tinha o nome barbaro de Hermengarda; e os amigos de Carlos, descoberto o segredo, chamavam-lhe já Eurico o presbytero, dirigiam para Cellas missivas pelo correio com este nome odioso.

Um dia Carlos, andava tomando o sol na Feira, quando o empregado do governo civil passou junto d’elle com o filhinho pela mão. Pela primeira vez