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OS MAIAS

ao lado outro preto, mais pequeno, com o mesmo uniforme de collegio, enterrava pela venta aberta o dedo calçado de pellica branca. Ambos elles lhe relancearam os olhos bogalhudos, côr de prata embaciada. A pessoa que os acompanhava, escondida para o fundo, parecia ter um catharro ascoroso.

Dava-se a Lucia em beneficio, com a segunda dama. Os Cohens não tinham vindo — ­nem o Ega. Muitos camarotes estavam desertos, em toda a tristeza do seu velho papel vermelho. A noite chuviscosa, com um bafo de sudoeste, parecia penetrar alli, derramando o seu pesadume, a morna sensação da sua humidade. Nas cadeiras, vasias, havia uma mulher solitaria, vestida de setim claro; Edgardo e Lucia desafinavam; o gaz dormia, e os arcos das rebecas, sobre as cordas, pareciam ir adormecendo tambem.

— ­Isto está lugubre, disse Carlos ao amigo Cruges, que occupava o escuro da frisa.

Cruges, amodorroado n’um accesso de spleen, com o cotovello sobre as costas da cadeira, os dedos por entre a cabelleira, todo elle embrulhado em crepes, sobrepostos de melancolia, respondeu, como do fundo d’um sepulchro:

— ­Pesadote.

Por indolencia, Carlos ficou. E pouco a pouco, aquelle preto de que os seus olhos se não podiam despegar, alli enthronisado na poltrona de reps verde da Gouvarinho, com a manga da jaqueta plantada no rebordo onde costumava alvejar um lindo braço, — ­foi-lhe arrastando, a seu pesar, a imaginação para a