280
OS MAIAS

elle não queria era achar-se envolvido n’uma paixão ciosa, uma d’essas ternuras tumultuosas de mulher de trinta annos, de que depois se desembaraçaria difficilmente... Nos braços d’ella o seu coração ficaria mudo: e apenas esgotada a primeira curiosidade, começaria o tedio dos beijos que se não desejam, a horrivel massada do prazer a frio. Depois, teria de ser intimo da casa, receber pelo hombro as palmadas do senhor conde, ouvir-lhe a voz morosa distillando doutrina... Tudo isto o assustava... E, todavia, gostara d’aquella audacia! Havia ali uma pontinha de romantismo, muito irregular, e pícante... E devia ser deliciosamente bem feita... A sua imaginação despia-a, enrolava-se-lhe no setim das fórmas onde sentia ao mesmo tempo alguma cousa de maduro e de virginal... E outra vez, como nas primeiras noites que os vira em S. Carlos, aquelles cabellos tentavam-n’o, assim avermelhados, tão crespos e quentes...

Sahiu. E dera apenas alguns passos na rua Nova do Almada, quando avistou o Damaso, n’um coupé lançado a grande trote, que o chamava, mandava parar, com a face á portinhola, vermelho e radiante:

— ­Não tenho podido lá ir, exclamou elle, apoderando-se-lhe da mão, apenas Carlos se approximou, e apertando-lh’a com enthusiasmo. Tenho andado n’um turbilhão!.. Eu te contarei! Um romance divino... Mas eu te contarei!.. Tem cuidado com a roda! Bate lá, ó Calção!

A parelha abalou; elle ainda se debruçou da portinhola, agitou a mão, gritou no rumor da rua: