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OS MAIAS

«uma besta»; e a quantidade de folhas de papel, dilaceradas, amarfanhadas, que lhe juncavam o tapete aos pés, davam-lhe a sensação de ser todo elle uma ruina.

Foi realmente um allivio, uma tregoa n’aquella lucta com as idéas rebeldes, quando Baptista annunciou Villaça, que lhe vinha fallar de uma venda de montados no Alemtejo, pertencentes á sua legitima.

— ­Negociosinho, disse o administrador, pousando o chapéo a um canto da mesa e dentro um rolo de papeis, que lhe mette na algibeira para cima de dois contos de réis... E não é mau presente, logo assim pela manhã...

Carlos espreguiçou-se, crusando fortemente as mãos por trás da cabeça:

— ­Pois olhe, Villaça, preciso bem de dous contos de réis, mas preferia que me trouxesse ahi alguma lucidez de espirito... Estou hoje d’uma estupidez!

Villaça considerou-o um momento, com malicia.

— ­Quer v. ex.ª dizer que antes queria escrever uma bonita pagina do que receber assim perto de quinhentas libras? São gostos, meu senhor, são gostos... Elle é bom sahir-se a gente um Herculano ou um Garrett, mas dous contos de réis, são dous contos de réis... Olhe que sempre valem um folhetim. Emfim, o negocio é este.

Explicou-lh’o, sem se sentar, apressado, emquanto Carlos, de braços cruzados, considerava quanto era medonho o alfinete de peito que Villaça trazia (um macacão de coral comendo uma pera de ouro) e distinguia