OS MAIAS
59

o guiso, e muito grave, como se a creança o percebesse, disse-lhe:

— ­Olha bem para mim. Eu sou o avô. É necessario amar o avô!

E áquella forte voz, o pequeno, com effeito, abriu os seus lindos olhos para elle, serios de repente, muito fixos, sem medo das barbas grisalhas: depois rompeu a pular-lhe nos braços, desprendeu a mãosinha, e martellou-lhe furiosamente a cabeça com o guiso.

Toda a face do velho sorria áquella viçosa alegria; apertou-o ao seu largo peito muito tempo, poz-lhe na face um beijo longo, consolado, enternecido, o seu primeiro beijo d’avô; depois, com todo o cuidado, foi collocal-o nos braços da ama.

— ­Vá, ama, vá... A Gertrudes já lá anda a arranjar-lhe o quarto, vá vêr o que é necessario.

Fechou a porta, e veiu sentar-se junto do filho que se não movera do canto do sophá, nem despregára os olhos do chão.

— ­Agora desabafa, Pedro, conta-me tudo... Olha que nos não vemos ha tres annos, filho...

— ­Ha mais de tres annos, murmurou Pedro.

Ergueu-se, allongou a vista á quinta, tão triste sob a chuva; depois, derramando-a morosamente pela livraria, considerou um momento o seu proprio retrato, feito em Roma aos doze annos, todo de velludo azul, com uma rosa na mão. E repetia ainda amargamente:

— ­Tinha razão, meu pae, tinha razão...