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OS MAIAS

E pouco a pouco, passeiando e suspirando, começou a fallar d’aquelles ultimos annos, o inverno passado em Paris, a vida em Arroios, a intimidade do italiano na casa, os planos de reconciliação, por fim aquella carta infame, sem pudor, invocando a fatalidade, arremessando-lhe o nome do outro!... No primeiro momento tivera só idéas de sangue e quizera perseguil-os. Mas conservava um clarão de razão. Seria ridiculo, não é verdade? De certo a fuga fora d’antemão preparada, e não havia de ir correndo as estalagens da Europa á busca de sua mulher... Ir lamentar-se á policia, fazel-os prender? Uma imbecillidade; nem impedia que ella fosse já por esses caminhos fóra dormindo com outro... Restava-lhe sómente o desprezo. Era uma bonita amante que tivera alguns annos, e fugira com um homem. Adeus! Ficava-lhe um filho, sem mãe, com um mau nome. Paciencia! Necessitava esquecer, partir para uma longa viagem, para a America talvez; e o pae veria, havia de voltar consolado e forte.

Dizia estas cousas sensatas, passeiando devagar, com o charuto apagado nos dedos, n’uma voz que se calmava. Mas de repente parou deante do pae, com um riso secco, um brilho feroz nos olhos.

— ­Sempre desejei ver a America, e é boa occasião agora... É uma occasião famosa, hein? Posso até naturalisar-me, chegar a presidente, ou rebentar... Ah! Ah!

— ­Sim, mais tarde, depois pensarás n’isso, filho, accudiu o velho assustado.