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OS MAIAS

d’agua contra as vidraças, trazidas n’uma rajada, que longamente, n’um clamor teimoso, faziam escoar um diluvio dos telhados; depois havia uma calma tenebroza, com uma susurração distante de vento fugindo entre ramagens; n’esse silencio as goteiras punham um pranto lento; e logo uma corda de vendaval corria mais furioso, envolvia a casa n’um bater de janellas, redomoinhava, partia com silvos desolados.

— ­Está uma noite de Inglaterra, disse Affonso, debruçando-se a espertar o lume.

Mas a esta palavra Pedro erguera-se, impetuosamente. De certo o ferira a idéa de Maria, longe, n’um quarto alheio, agazalhando-se-lhe no leito do adulterio entre os braços do outro. Apertou um instante a cabeça nas mãos, depois veiu junto do pae, com o passo mal firme, mas a voz muito calma.

— ­Estou realmente cançado, meu pae, vou-me deitar. Boa noite... Amanhã conversaremos mais.

Beijou-lhe a mão e saiu de vagar.

Affonso demorou-se ainda ali, com um livro na mão, sem ler, attento só a algum rumor que viesse de cima; mas tudo jazia em silencio.

Deram dez horas. Antes de se recolher foi ao quarto onde se fizera a cama da ama. A Gertrudes, o criado de Arroios, o Teixeira, estavam lá cochichando ao pé da commoda, na penumbra que dava um folio posto deante do candieiro; todos se esquivaram em pontas de pés quando lhe sentiram os passos, e a ama continuou a arrumar em silencio os