OS MAIAS
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n’elle o inventor d’essa perfida lenda da «carta obscena» — Alencar odiava-o pela certeza secreta de que elle fôra o amante amado da sua divina Rachel. Ambos se fizeram pallidos; o aperto de mão que deram foi incerto e regelado; e ficaram calados, todos tres, emquanto Ega nervoso levava uma eternidade a accender o charuto no lume de Carlos. Mas foi elle que fallou, por entre uma fumaça, affectando uma superioridade amavel:

— Acho-te com boa côr, Alencar!

O poeta foi amavel tambem, um pouco d’alto, passando os dedos no bigode:

— Vai-se andando. E tu que fazes? Quando nos dás essas Memorias, homem?

— Estou á espera que o paiz aprenda a lêr.

— Tens que esperar! Pede ao teu amigo Gouvarinho que apresse isso, elle occupa-se da Instrucção publica... Olha, alli o tens tu, grave e ôco como uma columna do Diario do Governo...

O poeta apontava com a bengala para o outro lado da rua, por onde o Gouvarinho descia, muito devagar, a conversar com o Cohen; e ao lado d’elles, de chapéo branco, de collete branco, o Damaso deitava olhares pelo Chiado, risonho, ovante, barrigudo, como um conquistador nos seus dominios. Já aquelle arzinho gordo de tranquillo triumpho irritou Carlos. Mas quando o Damaso parou defronte, no outro passeio, todo de costas para elle, ostentando rir alto com o Gouvarinho, não se conteve, atravessou a rua.