162
OS MAIAS

com os passaros cantando por cima, a quinta cheia de sol, tudo acordado em redor: appeteciam o longo contentamento d’uma longa noite, quando os seus braços se podessem enlaçar sem encontrar o estofo dos vestidos, e tudo dormisse em torno, os campos, a gente e a luz... De resto era bem facil! A sala de tapeçarias, communicando com a alcova de Maria, abria sobre o jardim por uma porta envidraçada; a governante, os criados, subiam ás dez horas para os seus quartos no andar alto; a casa adormecia profundamente; Carlos tinha uma chave do portão; e o unico cão, Niniche, era o confidente fiel dos seus beijos...

Maria desejava essa noite tão ardentemente como elle. Uma tarde ao escurecer, voltando d’um fresco passeio nos campos, experimentaram ambos essa dupla chave — que Carlos já promettia mandar dourar: e elle ficou surprehendido ao vêr que o velho portão, que ouvira sempre ranger abominavelmente, rolava agora nos gonzos com um silencio oleoso.

Veio n’essa mesma noite — tendo deixado na villa para o levar ao amanhecer a caleche do Mulato, um batedor discreto, que elle cevava de gorgetas. O céo, molle e abafado, não tinha uma estrella; e sobre o mar lampejava a espaços, mudamente, a lividez d’um relampago. Caminhando com inuteis cautelas rente do muro Carlos sentia, n’esta proximidade d’uma posse tão desejada, uma melancolia, cortada de anciedade, que vagamente o