OS MAIAS
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essa ingenuidade que o trouxera mezes timido, tremulo, ancioso, seguindo á maneira d’uma estrella aquella mulher, que qualquer em Paris, com mil francos no bolso, poderia ter sobre um sofá, facil e núa! Era horrivel! E recordava agora, afogueado de vergonha, a emoção religiosa com que entrava na sala de reps vermelho da rua de S. Francisco: o encanto enternecido com que via aquellas mãos, que elle julgava as mais castas da terra, puxarem os fios de lã no bordado, n’um constante trabalho de mãi laboriosa e recolhida; a veneração espiritual com que se afastava da orla do seu vestido, igual para elle á tunica d’uma Virgem cujas pregas rigidas nem a mais rude bestialidade ousaria desmanchar de leve! Oh imbecil, imbecil!... E todo esse tempo ella sorria comsigo d’aquella simpleza de provinciano do Douro! Oh! tinha vergonha agora das flôres apaixonadas que lhe trouxera! Tinha vergonha das «excellencias» que lhe déra!

E seria tão facil, desde o primeiro dia no Aterro, ter percebido que aquella deusa, descida das nuvens, estava amigada com um brazileiro! Mas quê! a sua paixão absurda de romantico puzera-lhe logo, entre os olhos e as coisas flagrantes e reveladoras, uma d’essas nevoas douradas que dão ás montanhas mais rugosas e negras um brilho polido de pedra preciosa! Porque escolhera ella precisamente para seu medico, na sua casa e na sua intimidade, o homem que na rua a fitára com um