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OS MAIAS

permittiu que mãos mercenarias tocassem no avô. Foi elle e o Ega, ajudados pelo Baptista, que, corajosamente, recalcando a emoção sob o dever, o lavaram, o vestiram, o depuzeram dentro do grande cofre de carvalho, forrado de setim claro, onde Carlos collocou uma miniatura de sua avó Runa. Á tarde, com auxilio de Villaça, que voltára «para dar o ultimo olhar ao patrão», desceram-no ao escriptorio, que Ega não quizera alterar nem ornar, e que, com os damascos escarlates, as estantes lavradas, os livros juncando a carteira de pau preto, conservava a sua feição austera de paz estudiosa. Sómente, para depôr o caixão, tinham juntado duas largas mesas, recobertas por um panno de velludo negro que havia na casa, com as armas bordadas a ouro. Por cima o Christo de Rubens abria os braços sobre a vermelhidão do poente. Aos lados ardiam doze castiçaes de prata. Largas palmas d’estufa cruzavam-se á cabeceira do esquife, entre ramos de camelias. E Ega accendeu um pouco de incenso em dois perfumadores de bronze.

Á noite o primeiro dos velhos amigos a apparecer foi D. Diogo, solemne, de casaca. Encostado ao Ega, aterrado diante do caixão, só pôde murmurar: — «E tinha menos sete mezes que eu!» O marquez veio já tarde, abafado em mantas, trazendo um grande cesto de flôres. Craft e o Cruges nada sabiam, tinham-se encontrado na rampa de Santos; — e receberam a primeira surpreza ao vêr fechado