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Monteiro Lobato

— Si lhe desarranja a cabeça, aqui nestas alturas...

Torturado por esta idéa não pude sossegar. Confabulei com o Bento e resolvemos sair em procura do transviado. Fomos felizes. Encontramol-o sem demora, no terreiro, em face da antiga casa do tronco. Estava immovel e mudo. Ergui-lhe a luz à altura do rosto. Que estranha expressão a sua ! Não parecia o mesmo, não “era” o mesmo. Deu-me a impressão de, retezado de musculos, no ultimo arranco duma lucta suprema, com todas as energias crispadas numa resistencia feroz. Sacudi-o com violencia.

— Jonas ! Jonas !

Inutil. Era um corpo largado da alma. Era um homem “vazio de si proprio”!... Assombrado com o phenomeno, concentrei todas as minhas energias e ajudado pelo Bento trouxe-o para casa. Ao penetrar na sala de espera estremeceu, parou, e arregalou os olhos para a porta do quarto. Seus labios tremeram. Percebi que articulavam palavras incomprehensiveis.

Precipitou-se depois para o quarto e dando com o daguerreotypo de Izabel agarrou-o com frenesi, beijou-o e rompeu em choro convulso. Em seguida, como exhausto duma grande lucta, cahiu sobre a marqueza, prostrado, sem articular uma palavra mais. Inutilmente interpellei-o, procurando a chave do enigma. Jonas permanecia esvazido... Tomei-lhe o pulso: normal. A temperatura: bôa. Mas largado, como um corpo morto. Fiquei ao pé delle uma boa hora, com mil idéas