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MONTEIRO LOBATO

redondezas. Frio e duro, não reconhecia sensibilidade em carne alheia. Recommendava sempre aos feitores : angú e relho; angú por dentro e relho por fóra, sem economia e sem dó.

Consoante tal programma a vida da fazenda escoava-se entre trabalhos de eito, comezaina farta e relho.

Com o tempo desenvolveu-se nelle a crueldade inutil. Não se limitava a impor castigos : ia assistil-os. Gosava de ver a carne escrava avergoar-se aos golpes do couro crú.

Ninguem, entretanto, estranhava aquillo. Os pretos soffriam como predestinados á dor. E os brancos tinham como dogma que de outra maneira não se levam pretos. O sentimento de revolta não latejava em ninguem, salvo em Izabel que se fechava no quarto, de dedos fincados nos ouvidos, sempre que na casa do tronco o bacalháo arrancava urros a um pobre desgraçado.

A mim, em começo, tambem me era indifferente a dôr alheia. Ao depois — depois que o amor me floriu a alma de todas as flôres do sentimento — aquellas barbaridades diarias punham-me fremente de colera.

Uma vez tive impetos de estrangular o despota. Foi o caso dum vizinho que lhe trouxera um cão de fila para vender.

XXI

— E' bom ? Bem bravo ? perguntou o fazendeiro examinando o animal.