OS VILHANCICOS : 55

aquele constante jogo de termos antinómicos, aqueles saltos jogralescos de metáforas, todo aquele processo de estender e revestir e moldar os períodos. Idéa e forma tudo obedece a um canon, que não é nosso, que vem de fóra e se estende pelas literaturas todas da época. Nos extractos que vamos fazer esta convicção salta logo à leitura dos primeiros versos. Eis uns Vilhancicos dos Reis, cantados na Capela Real em 1671. O poeta na sua inspiração, que diriamos escandecida, se não fôsse tam glacial, imagina o Menino Jesus nascido em Belem, cidade que êle afirma ter-se afigurado aos Reis, que o foram adorar… Lisboa! E segue assim o desafôro da imagem:

. . . . . . . . . . . .
Aquela é a Porta do Sol,
Lá se vê a Boa Vista,
Nos olhos dessa Senhora.
Vês acolá o Paraiso,
Donde uns Anjos me namoram?
E antes a Porta da Cruz,
O Calvario daqui nota.
O Minino é o Bairro Alto,
Bem que está na Rua Nova.
Olha acolá São Joseph,
Annunciada, a Bem-Posta.
O caminho do presepio
É a Calçada da Gloria,
Vês o Rocio tambem…

Após mais algumas outras rebuscadas fantasias fecha com o Estribilho seguinte:

Ei-lo vai,
Mano Manoel, ei-lo vai,
Ora sus, andai!