inverno entrava na casa como agua em esponja. A abundancia das aranhas tranquillisava os moradores contra o desmoronamento immediato. Mobilia, nenhuma. Dous ou tres enxergões nos cantos, rotos no centro, deixando ver mais cinza que palha, aqui e alli uma bilha e um alguidar, servindo para diversos usos. Cheiro insipido e hediondo.
As janellas davam sobre o pateo. De cima o pateo assemelhava-se a um carro de lama. As cousas, aem contar os homens, que alli apodreciam e enferrujavam-se, eram indescriptiveis. Os destroços fraternisavam: cahiam paredes, cabiam creaturas. Os trapos semeavam entulhos.
Além da população fluctuante alojada no pateo, a Jacressarde tinha tres inquilinos, um carvoeiro, um trapeiro e um fabricante de ouro. O carvoeiro e o trapeiro, occupavam dous enxergões no primeiro andar; o fabricante de ouro, chimico, morava nas aguas furtadas, que tambem se chamava sotão. Não se sabia em que lugar dormia a mulher. O fabricante de ouro era um tanto poeta. Habitava debaixo das telhas n’um quarto em que havia uma trapeira estreita e uma grande chaminé de pedra, golphão onde ia rugir o vento. A trapeira não tinha caixilhos; o fabricante de ouro pregou em cima um pedaço de ferro em folha, proveniente de um rasgão de navio. A folha deixava passar pouca luz e muito frio. O carvoeiro pagava a casa com um sacco de carvão de quando em quando; o trapeiro pagava com um cestario de grãos para as gallinhas, cada semana; o fabricante de ouro não pagava nada. Entretanto ia queimando a casa. Já tinha arrancado a pouca