era acaso possivel? Fazer e executar, são cousas differentes, e a prova é que é facil formular uma aspiração e difficil executal-a. Ora, se houve jámais um sonho impraticavel e insensato era este; salvar a machina encalhada nas Douvres. Mandar trabalhar naquellas rochas um navio e uma equipagem seria absurdo; não se devia pensar nisso. Era a estação dos temporaes: ao primeiro que houvesse, rasgavam-se as correntes das amarras nos pontos submarinhos e o navio despedaçava-se. Era mandar um naufragio em soccorro do primeiro. Na especie de buraco da planura superior onde se abrigára o naufrago legendario morto de fome, mal havia lugar para um homem. Era preciso pois que, para salvar essa machina, fosse um homem aos rochedos Douvres, e que fosse sozinho, só naquelle mar, só naquelle deserto, só a cinco leguas da costa, naquelle medo, só durante semanas inteiras, só diante do previsto e do imprevisto, sem vitualhas nas angustias da privação, sem soccorro nos incidentes da desgraça, sem outro vestigio humano que o do antigo naufrago morto alli, sem outro companheiro além daquelle finado.
E como salvaria elle a machina? Era preciso que fosse, não sómente marujo, senão tambem ferreiro. E quantas difficuldades! O homem que o tentasse seria mais que um heróe. Seria um louco. Porquanto, em certos commettimentos desproporcionados, onde parece necessario o sobrehumano, a bravura tem acima de si a demencia. E com effeito, sacrificar-se por um pouco de ferro não era estravagante? Não, ninguem iria aos rochedos Douvres.