São frequentes estes acasos nos naufragios como nos incendios. Não se pode comprehender a logica do desastre.
Os mastros quebrados tinham cahido; o cano nem mesmo envergou; a grande placa de ferro que amparava o mecanismo manteve-o intacto e completo. O revestimento de taboas das rodas estava destruido como as laminas de uma persiana; mas atravez das fendas viam-se as rodas em bom estado. Apenas faltavam alguns raios.
Além da machina, tinha resistido o grande cabrestante da popa. Tinha ainda a corrente, e graças ao seu robusto encaixe em um quadro de tabuões, ainda podia prestar serviços, uma vez que se não rompesse a prancha. O pedaço do casco mettido entre as Douvres estava firme, já o dissemos, e parecia solido.
A conservação da machina tinha um que de irrisorio e acrescentava a ironia á catastrophe. A sombria malicia do desconhecido mostra-se ás vezes nessas especies de zombarias amargas. A machina estava salva, o que não impedia que estivesse perdida.
O oceano guardava-a para demolil-a aos poucos. Divertimento de gato.
A machina ia agonisar e desfazer-se peça por peça. Ia diminuir dia a dia, e por assim dizer, derreter-se. Ia servir de brinco ás selvajarias de espuma. Que fazer? Que aquelle pesado montão de mecanismos e encaixes, massiço e delicado a um tempo, condemnado á immobilidade por seu peso, entregue na solidão ás forças demolidoras, posto pelo cachopo a discrição do vento e do mar, podesse, sob a