— 113 —

Cashmere chegado de Inglaterra nessa manhã, e cujo mastro via-se no porto de Saint-Sampson. O Cashmere devia voltar para Southampton no dia seguinte ao meio dia, e dizia-se que devia levar o reverendo cura, chamado á Inglaterra sem demora para a abertura official do testamento, sem contar as outras urgencias de uma grande herança para recolher. Durante o dia Saint-Sampson dialogou coufusamente. O Cashmere, o reverendo Ebeneser, o tio morto, a riqueza, a partida, as promoções possiveis no futuro, foram o fundo do borborinho. Só uma casa, que nada sabia, ficara silenciosa, a de Lettierry.

Mess Lethierry atirou-se á maca vestido.

Depois da catastrophe da Durande, atirar-se á maca, era o recurso delle. Deitar-se no grabato é o recurso do prisioneiro, e mess Lethierry era prisioneiro da tristeza. Deitava-se; era uma tregoa, um descanço, uma suspensão de idéas. Dormia? Não. Vellava? Não. Propriamente fallando, havia dous mezes e meio,—já dous mezes e meio,—mess Lethierry estava em somnambulismo. Não era ainda senhor de si. Andava nesse estado mixto e diffuso que costumam ter os que soffreram grandes abatimentos. As suas reflexões não eram pensamentos, o seu somno não era repouso. De dia não era um homem acordado, de noite não era um homem adormecido. Estava em pé, estava deitado, eis tudo. Quando estava na maca, esquecia-se um pouco; a isso chamava elle dormir; as chimeras flutuavam nelle e por sobre elle, a nuvem nocturna, cheia de faces confusas, atravessava-lhe o cerebro; o imperador Napoleão dictava-lhe as suas memorias, haviam muitas Deruchettes, extranhos passaros pousavam nas