Cavar pelas minas de fundas verdades
é nobre fadiga:
mas contos contados de edades a edades
tem força de encanto que a todos obriga.

Lidae á luz triste das lampas nocturnas,
cobri-vos de brancas, mineiros da historia,
mandae-nos bom oiro das lobregas furnas
que a vida vos comem sedenta de gloria:
e nós fundidores
d’esse oiro que achardes, e seus polidores,
fa-lo-hemos estatuas aos olhos do dia;
e porque as o povo frequente á porfia,
as c’rôas sabidas lhes pômos de flores.

O Cântico da Noite (LI) vê-se que foi composto por ventura numa hora de tribulação, recorrendo no cerrar das palpebras ao auxilio da Virgem. E uma poesia adoravel. A correcção da fórma, puritanamente classica, casa-se com a elevação e nobreza da ideia. E um poemeto excellente. Que pintura sublime a da primeira estrophe na transição natural e insensivel do dia para a noite! Que accumulação riquissima de imagens, que emmolduram uma enargueia tão energica! Nas outras seguintes revela-se uma elegia suave, impregnada de affectos, onde sobresahe espontanea a tristeza que repassa as boras que se immergem nas trevas.

Pedindo nós ao sr. J. de C. que segurasse com a sua revisão uma prova d’esta poesia, respondeu-nos o seguinte, que trasladamos da sua carta como nota preciosa que a completa: «Neste momento, depois de escripta e fechada esta, chega-me o seu bilhete com a prova do Cântico da Noite. Revi-o, e devolvo-o. As emendas são importantes. Peço a maior attenção para ellas.

«Na 4.ª estrophe substitui fundo por curso.[1] Ouvi assim esse verso a meu Pae; não posso agora verificar se em alguma das vezes que esta poesia saiu impressa appareceria já assim: mas (além de achar boa a alteração) é authentica. Tenho isso tudo muito presente. Foi a ultima poesia que lhe ouvi recitar, numa soirée em minha casa,

  1. Servira de norma para a copia da poesia a edição da Revista Universal Lisbonense, tomo x, 1840, onde se emprega o termo fundo; convertido effectivamente noutras partes em curso.