Perigrinaçoẽs de

de homẽs, ſe não de todo o inferno junto; vendo então algũs vadios & gente octoſa, deſejoſa de tais ſucceſſos como aquelles, que o tempo & a occaſiaõ era então muyto accommodada para fazerem o que antes co temor do Rey não ouſauão, ſe ajuntaraõ nũa grande companhia quaſi quinhentos ou ſeiſcẽtos deſtes, & em tres quadrilhas ſe vieraõ à feitoria onde pouſaua o Tome Lobo, & abalroando as caſas por ſeis ou ſete partes, nolas entraraõ por força, por mais que as nos defendemos, & na defenſaõ dellas foraõ mortas da noſſa parte onze peſſoas, entre as quais foraõ os tres Portugueſes q̃ eu trouxera comigo de Malaca, & o Tome Lobo eſcapou com ſeis cutiladas, de hũa das quais lhe derrubaraõ a face direita atè o peſcoço, de que eſteue à morte, pelo que a ambos nos foy forçado largarmoslhe a pouſada cõ toda a fazenda que nella auia, & recolhermonos à lãchara, na qual prouue a Deos que eſcapamos com mais cinco moços, & oyto marinheyros, porem da fazenda não eſcapou nada, a qual ſó em ouro & pedraria paſſaua de cinquenta mil cruzados. Na lanchara nos deixamos eſtar ate que foy menham com aſſaz de afflição, porem com boa vigia, para vermos o em que paraua a grande vnião que geralmente auia em todo o pouo, & vendo que hia o negocio cada vez para pior, ouuemos por milhor conſelho paſſarmonos daly para Patane,que pormonos a riſco de nos acabarem aly de matar, como fizeraõ a mais de quarto mil peſſoas. E partindonos logo daly, dentro de ſeis dias chegamos a Patane, onde fomos bem recebidos dos Portugueſes que auia na terra, aos quais demos conta de tudo o que acontecera em Paõ, & do mao eſtado em que ficaua a miſerauel cidade, de que todos moſttaraõ peſarlhes muyto, & querendo fazer ſobre iſto algũa couſa, mouidos ſomente do zelo de bõs Portugueſes, ſe foraõ todos a caſa del Rey, & ſe lhe queixaraõ muyto da ſem razão que ſe fizera ao Capitão de Malaca, & lhe pediraõ licença para ſe entregarem da fazenda que lhe era tomada, o que el Rey lhes concedeo leuentente, dizendo: Razão he que ſaçais como vos ſazem, & que roubeis quem vos rouba, quãto mais ao Capitão de Malaca, a quem todos ſois tão obrigados. Os Portugueſes todos lhe deraõ muytas graças por aquella merce; & tornandoſe para ſuas caſas, aſſentaraõ que ſe fizeſſe repreſa em toda a couſa que achaſſem ſer do reyno de Paõ, ate que de todo ſe ſatisfizeſſe aquella perda. E daly a noue dias ſendo auiſados q̃ no rio de Calantão, q̃ era daly dezoito legoas, eſtauão tres juncos da China muyto ricos, de mercadores Mouros naturais do reyno de Paõ, que cõ tempo contrario ſe vieraõ aly meter, ordenaraõ logo de armarem ſobre elles. E embarcandoſe oitenta Portugueſes dos trezẽtos que então auia na terra, em duas fuſtas, & hum nauio redondo, bem aparelhados de todas as couſas neceſſarias á empreſa q̃

leuauaõ,